
Foto: Divulgação/Fiocruz Amazônia
Um projeto piloto, desenvolvido pela Fiocruz Amazônia, por meio do Edital Inova Emergências em Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz, vem desenvolvendo desde maio de 2024 uma série de atividades em duas comunidades rurais ribeirinhas de Manaus, com a finalidade de fortalecer o trabalho de vigilância em saúde para respostas rápidas a doenças infecciosas emergentes, a partir do desenvolvimento de uma ferramenta digital capaz de promover a coleta, gerenciamento e disseminação de dados sobre casos suspeitos que ocorram nas comunidades e entorno.
A iniciativa, desenvolvida de forma participativa, com lideranças comunitárias e profissionais de saúde que atuam nos territórios, conta com a parceria da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) da Prefeitura de Manaus, por meio da Gerência de Vigilância Epidemiológica, do Distrito de Saúde Rural, e é coordenada pelo pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz Amazônia, Pritesh Lalwani.
Lalwani, que é membro do Laboratório de Diagnóstico e Controle de Doenças Infecciosas na Amazônia (DCDIA), explica que o projeto atua em duas comunidades rurais ribeirinhas na região do Baixo Rio Negro – Santa Maria e Fátima – e em mais dez localidades situadas nas áreas de abrangência no entorno das duas. Todas atendidas pela Unidade Básica de Saúde Fluvial Ney Lacerda, tendo como unidade de apoio a Unidade de Saúde da Família de Santa Maria, do Distrito de Saúde Rural, da Semsa Manaus.
“O Saúde nas Margens tem como principal fundamento o fato de que, nos últimos dez anos, estamos sofrendo ameaças de doenças emergentes, como zyka, chicungunha, febre amarela, covid-19, dengue e, mais recentemente, a febre oropouche, e percebemos que estamos precisando trabalhar para identificar e fazer uma vigilância mais rápida dessas ameaças, não só no nível laboratorial, mas também populacional”, explica.
Aplicativo
A ideia foi criar um aplicativo, por meio do software REDCap, com questionários que possam ser utilizados no levantamento de suspeitas tanto pelos agentes comunitários de saúde (ACS) quanto pelos agentes de combate a endemias (ACE), nas dez comunidades. O software é utilizado na coleta, gerenciamento e disseminação de dados de pesquisa.
“Primeiro, identificamos os gargalos existentes nas comunidades para desenvolvermos o questionário, e agora daremos início à fase de coleta de dados propriamente dita”, afirmou o pesquisador, durante reunião na comunidade São Francisco do Chita, no dia 11/04, com representantes da Disa Rural, Vigilância Epidemiológica, ACS, ACE e lideranças comunitárias com a finalidade de testar o aplicativo.
A vigilância de base participativa e comunitária é algo inédito em Manaus e visa não só identificar as doenças respiratórias causadas por mosquitos (arboviroses) como também diarreias, lesões de pele, mordeduras de animais domésticos ou silvestres, como morcegos, entre outras.
“Estamos começando a entender como é a percepção da população em termos de risco associado a doenças emergentes e como podemos trabalhar para melhorar essa vigilância com a participação efetiva da comunidade, contribuindo para a coleta de dados pelos ACS e ACE, e a consequente notificação pela Semsa-Manaus, em caso de confirmação de diagnóstico”, ressalta Lalwani.
O pesquisador destaca que, além do cenário de mudanças climáticas, as populações ribeirinhas da Amazônia enfrentam o desafio diário de conviver em conjunto com a floresta. “Nossa intenção é exatamente entender os gargalos e como trabalhar no sentido de buscar esse equilíbrio, com a parceria fundamental da Semsa-Manaus. O desafio agora é levar esse aplicativo em campo para coleta de dados, o que permitirá entender o quanto é eficiente essa ferramenta e como vão reagir em cima das suspeitas”, pontuou.
Mapeamento
As coletas de dados permitirão um mapeamento que poderá se expandir para outras comunidades. Segundo a gestora da USF Santa Maria, Maria Tereza Silva Rocha, as comunidades estão situadas em área endêmica para malária, mas registram também casos de leishmaniose, doença de Chagas e filariose.
“Estamos aqui na comunidade do Chita com a Fiocruz apoiando esse projeto de aplicativo para identificar as doenças porque sabemos o quanto é importante somarmos esforços para a melhoria do atendimento básico em saúde da unidade. Muitas vezes acontece de não termos como notificar casos porque não tomamos conhecimento. Com o aplicativo, esse processo se torna mais rápido e eficiente, não só em relação às síndromes que aparecem, como também as lesões na pele, picadas de animais, entre outras ocorrências, contando com o apoio da Fiocruz no diagnóstico”, afirma.

Foto: Divulgação/Fiocruz Amazônia
Atenção à saúde dos ribeirinhos
Maria Miranda de Souza Filha, 69, mora há 20 anos na comunidade do Chita, que tem pouco mais de 100 habitantes. Ela comemora a implementação do projeto como uma oportunidade que surge de atenção à saúde dos ribeirinhos. “Nossa comunidade estava precisando que esses órgãos se manifestassem. Temos muito que aprender com vocês, mas também temos muito a repassar através dos nossos conhecimentos tradicionais e a convivência que temos na comunidade. Estamos aqui para ajudar uns aos outros”, argumentou, citando, como exemplo, a força terapêutica dos remédios caseiros, até hoje utilizados no tratamento de várias doenças na comunidade.
Liderança religiosa do Chita, o pastor Antônio Daniel é também um dos moradores mais antigos, convidado a participar do processo de elaboração do aplicativo, contribuindo para a mobilização da comunidade para que apoie principalmente na fase de coleta dos dados, que se inicia a partir desta fase do projeto. “Estamos aqui com a Semsa e a Fiocruz nos trazendo a possibilidade de podermos participar e contribuir para a prevenção em saúde na comunidade. É o início de um período de boas novas e um privilégio recebê-los. Estamos aproveitando ao máximo e é de suma importância o que vocês estão fazendo”, observou.
Junto com Pritesh Lalwani, participam da implementação do projeto a gerente de Vigilância Epidemiológica do Disa Rural, Maria Aparecida Santos da Silva; os enfermeiros Jeferson Castilho Moraes e Patrícia Conceição Cabral e Silva, técnicos da Vigilância, e a médica veterinária Maria dos Santos, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Biologia da Interação Patógeno-Hospedeiro (PPGBIO-Interação), da Fiocruz Amazônia. O treinamento, realizado ao longo do dia, incluiu a aplicação simulada de questionários na comunidade e posterior análise dos dados coletados.
Questionário
O questionário está estruturado em três elementos: Saúde Humana, Saúde Animal e Saúde Ambiental. Dentro de cada um desses, haverá tópicos específicos a serem respondidos, sobre ocorrências como, por exemplo, casos de diarreia e vômito, problemas respiratórios, lesões de pele, intoxicações, acidentes de trabalho e óbitos humanos, agressão por animais, lesões de pele, mortes de animais, infestação por pulgas e carrapatos, mudança de comportamento animal, problemas com lixo, problemas hídricos, contaminação do solo, desmatamento ou queimadas, estiagem e alagamento.
Para a gerente de Vigilância Epidemiológica da Disa Rural, Aparecida Silva, a participação no projeto Saúde nas Margens está focado na preparação dos comunitários, dos ACS e ACE para serem agentes de mudança dentro das comunidades.
“Por meio do projeto, eles (moradores e agentes de saúde) estarão fazendo vigilância constante, identificando situações/problemas para que possamos identificar possíveis subnotificações, sinalizadas pela própria comunidade, e a partir daí reestruturar o processo de trabalho da Vigilância da Disa Rural em si”, afirmou.
Segundo Aparecida, através do aplicativo, será possível identificar necessidades de capacitação contínua e fortalecer o trabalho de Vigilância do município de Manaus, uma vez que propicia que rumores, suspeitas de doenças e agravos em animais e humanos sejam identificados pela própria população local, a partir daí, sinalizando para que a Vigilância entre em ação para fazer a identificação direta e tomar as medidas cabíveis.
Sobre o projeto
O Projeto Saúde nas Margens: Um Modelo One Health para Vigilância Participativa e resposta rápida a doenças infecciosas em comunidades ribeirinhas de Manaus” propõe uma abordagem inovadora de Vigilância de base participativa e comunitária, com ênfase em áreas remotas, populações de ribeirinhos. A iniciativa visa desenvolver e implementar um Modelo Uma Só Saúde no contexto amazônico, frequentemente afetado por surtos de doenças e exige uma abordagem integrada e adaptada às complexidades geográficas e limitações socioeconômicas.
O projeto reconhece a interconexão entre fatores ambientais e surtos, destacando a necessidade da abordagem Uma Só Saúde, que compreende as interações entre saúde humana, animal e ambiental. A fragilidade dos sistemas de vigilância nessas áreas remotas, juntamente com a falta de acesso à comunicação e internet, são desafios significativos. O projeto propõe uma estrutura de vigilância participativa que integra líderes comunitários, agentes de saúde e serviços de telemedicina. O objetivo é capacitar as comunidades para a detecção precoce de doenças infecciosas, considerando fatores de saúde humana, variáveis ambientais e saúde animal.
Para superar desafios de comunicação, o projeto visa implementar postos de comunicação eficientes, promovendo o acesso à internet e facilitando a troca de informações por dispositivos móveis. A abordagem personalizada busca adaptar e implementar eficientemente a vigilância participativa em duas comunidades ribeirinhas, Santa Maria e Nossa Senhora de Fátima, considerando suas particularidades culturais, sociais e ambientais. A principal pergunta do projeto é: Como implementar eficientemente postos de comunicação como parte de uma abordagem participativa em duas comunidades ribeirinhas, uma localizada nas proximidades da capital e outra situada a uma distância de aproximadamente 5 horas de barco da mesma, considerando as nuances culturais, sociais e ambientais específicas de cada uma?
Os objetivos específicos incluem o levantamento de informações preliminares, a formação de comitês locais de vigilância de saúde, o desenvolvimento de manuais de treinamento, a implementação de tecnologias de comunicação, o treinamento em telemedicina, teste piloto e avaliação contínua. Indicadores de sucesso incluem a efetividade na coleta de informações, participação ativa nas atividades, estabelecimento eficiente da rede de comunicação e melhorias nos indicadores de vigilância ao longo do tempo.
Os resultados esperados abrangem desde o empoderamento de líderes comunitários até o estabelecimento de um sistema de vigilância participativa eficiente e adaptativo. O projeto busca fortalecer a resiliência comunitária e os sistemas de saúde, preparando as comunidades para enfrentar desafios presentes e futuros na região amazônica.
Inova Emergências em Saúde Pública
O edital Emergências em Saúde Pública é uma chamada do Programa Inova Fiocruz que visa atender demandas específicas de saúde pública. O objetivo é dar respostas rápidas e ações para emergências sanitárias, órgãos internacionais e demandas do Ministério da Saúde. As emergências em saúde pública são situações que exigem medidas urgentes de prevenção, controle e contenção de riscos, podendo ser epidemiológicas (surtos e epidemias), de desastres ou de desassistência à população.
O Programa Fiocruz de Fomento à Inovação, o Inova Fiocruz, lançado em 2018, apoia propostas que visem melhorar as condições de vida da população e do SUS. O programa seleciona projetos que usem os resultados das pesquisas em saúde pública e busca fomentar a pesquisa e a inovação resultando na entrega de produtos/conhecimento/serviços para a sociedade, tendo como valores a inovação, excelência, transparência, inclusão e colaboração.
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