Francisco

Francisco

Papa Francisco. Foto: Divulgação

Por Felix Valois

Na segunda-feira, publiquei, no Facebook, este pequeno trecho: “Morreu o papa Francisco, que os reacionários chamavam de “comunista”. Os verdadeiros comunistas o tínhamos à conta de um homem sábio e lúcido, porque compreendia e combatia as desigualdades. É uma perda lamentável. Tomara que a igreja católica tenha lucidez para não sofrer um retrocesso político. Num momento em que o fascismo exibe suas garras pelo mundo inteiro, é muito importante que líderes como Francisco ditem palavras de ordem contra os que só pregam ódio”.

A maioria dos que leram deu sua aprovação. Mas alguns poucos comentários me surpreenderam. Não pela expressa discordância com o que foi exposto. Afinal, seria idiotice bolsonaresca pretender a unanimidade com o que penso e digo. Antes, pela visível brutalidade do sentimento de rejeição ao Papa falecido. “Não me representava”, disse uma senhora, afetando ares de uma cristandade só dela conhecida, por isso que, se for católica, não teria como fugir da “representação” a que alude. Um outro, ampliando sua perspectiva futurista, revelou o desejo de que o próximo Pontífice seja mais “chegado aos princípios cristãos” e não um que esteja ao “gosto da esquerda”.

Convenhamos em que é intolerância demais. Os que me conhecem sabem que, embora tenha nascido em família católica, há muito abandonei todos os vínculos com qualquer religião, até porque todas elas se me afiguram de uma inutilidade absoluta. Nunca, porém, alguém me viu zombar das crenças ou da fé de quem quer seja, salvo quando, transmudando a religião para a pândega, um mentecapto usa o celular para invocar auxilio de Ets.

Ora, se assim é, a vida pública do papa Francisco não pode e não deve ser analisada a partir das conveniências pessoais de cada um. Há que lançar um olhar de universalidade para compreender a grandeza de sua obra e as dimensões de seus esforços em busca de uma humanidade melhor.

Numa igreja que tem preconceitos tão milenares quanto sua própria idade, Francisco deu um sopro que levantou a poeira bolorenta de alguns dogmas tolos e insustentáveis. Foi como se abrisse as pesadas cortinas do Vaticano, que ainda protegem até pensamentos inquisitoriais, e permitisse a entrada de um sol de modernidade, compreensão e lógica irreparável.

Apesar de os meus conhecimentos de doutrinas teológicas serem de beira de igarapé, sempre me constou (e assim me ensinaram no catecismo) que o Nazareno  ergueu sua voz em favor dos menos favorecidos. Mas não foi exatamente isso que fez o cardeal Bergólio durante todo o seu pontificado? Afastou-se das pompas e das demonstrações de riqueza para se concentrar numa incansável luta contra as desigualdades sociais. Não consigo atinar, pois, com razão plausível para que algumas ovelhas de seu rebanho reajam ao comando do seu cajado.

Mas Francisco foi além, muito além. Quando deu sua bênção aos casais homossexuais, seu gesto, de aparente simplicidade, teve uma transcendência fundamental: quis ele singelamente dizer que, independente de quaisquer preferências ou opções, somos todos seres humanos, iguais na essência, e só por isso merecedores de respeito.

Já se vê, pois, que, quando algum energúmeno diz que o Papa era “comunista”, eu, que verdadeiramente o sou, não posso sentir nada além de orgulho. Quem esquece o sentimento de fraternidade e solidariedade universais está uma escala abaixo da espécie humana.

Bergólio vai fazer falta. Não apenas como chefe espiritual dos bilhões de católicos espalhados pelo mundo. Sua ausência será também sentida por todos os que um dia abriram seus corações para o universo e compreenderam a necessidade de reformar a injusta ordem das coisas estabelecidas. Francisco, de fato, entoou conosco o coro da Internacional: “De pé, ó vítimas da fome. De pé, famélicos da terra”.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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