Espetáculo Mojubá inicia temporada com sessões gratuitas e foco na luta antirracista em Manaus

Espetáculo Mojubá inicia temporada com sessões gratuitas e foco na luta antirracista em Manaus

Com acesso gratuito, a obra será apresentada para o público em geral, estudantes de escolas especiais e normais, além da comunidade de terreiro (Foto: Alex Costa)

O espetáculo Mojubá inaugura sua temporada de ensaios abertos em Manaus com sessões gratuitas e transporte disponibilizado aos participantes. As apresentações ocorrem no Teatro da Instalação, zona sul da cidade, nos dias 24, 25 e 26/4.

No primeiro dia 24/4 (quinta-feira), a sessão começa às 15h30, para estudantes da Escola Estadual Ângelo Ramazzotti. No dia 25/4 (sexta-feira), o teatro recebe alunos da Escola Estadual Augusto Carneiro dos Santos às 15h30, e o público em geral às 19h. Encerrando a temporada, no dia 26/4 (sábado), às 17h, o espetáculo será apresentado para a comunidade do Terreiro Recanto de Preta Mina.

Com concepção e atuação da atriz premiada e travesti, Correnteza Braba, Mojubá investiga o pertencimento dos povos de terreiro no espaço urbano, abordando o racismo religioso e o apagamento histórico dos terreiros em Manaus.

“O projeto traz para a cena resultados da pesquisa acadêmica ‘Encruzilhada: ponto de partida para a criação performativa’, desenvolvida em 2021, que buscou criar experimentos estéticos e sonoros baseados na cultura negra de terreiro”, detalhou.

Mojubá: criação de várias mãos

Correnteza Braba destaca que a criação de Mojubá foi atravessada por um intenso intercâmbio entre artistas negros do Amazonas e de outras regiões do Brasil, como Kelson Succi (RJ), que assina a dramaturgia da obra.

A escolha de Succi se conecta diretamente com a primeira frente do projeto, pesquisa cênica, que reuniu investigações bibliográficas, registros orais e visuais de sacerdotes de religiões afro-brasileiras em Manaus, e a sistematização de materiais que irão compor um memorial digital sobre o processo criativo.

A segunda frente, intercâmbio e criação colaborativa, promoveu encontros presenciais e virtuais com mestres do teatro negro contemporâneo, compartilhando saberes e técnicas com artistas locais. Nesse eixo, destaca-se a parceria com o Coletivo das Liliths (BA), que há anos propõe estéticas, éticas e narrativas dissidentes de gênero e sexualidade na cena artística baiana.

“O intercâmbio com o coletivo nasce da necessidade de aproximar artistas racializadas e LGBTQIAPN+ do Brasil, principalmente do Norte e do Nordeste. Os nossos trabalhos se conectam e, a partir disso, nasce o desejo de criar juntas”, contou.

Isso possibilitou a vinda dos diretores do coletivo, Jelton e Jorginis, a Manaus em novembro de 2024 para contribuir com a preparação do espetáculo. E, no início de abril deste ano, Correnteza seguiu para Salvador para dar continuidade ao processo.

“Mojubá se baseia na relação dos povos de terreiro com a urbanidade de Manaus, enquanto o Coletivo das Liliths pesquisa os corpos dissidentes em relação à urbanidade de Salvador. Juntas, buscamos entender as tecnologias que nossos corpos desenvolvem para ultrapassar modos coloniais de criação, preparação e, principalmente, de vida”, afirmou.

A terceira, de democratização cultural, buscou ampliar o acesso ao teatro para públicos historicamente marginalizados, oferecendo transporte gratuito e priorizando o atendimento a estudantes e comunidades de terreiro.

“A gente quer possibilitar que os alunos das periferias e o próprio povo de terreiro vejam a sua estética no palco, porque assim conseguimos iniciar um processo de alimentação de uma autoestima intelectual e estética desses povos que são subalternizados”, esclareceu.

“Quando esses povos se veem no palco, com suas práticas, iniciamos um processo que fortalece a autoestima e gera reconhecimento da própria história e cultura”, defende.

Para além disso, Mojubá também pretende dialogar com toda a sociedade manauara.

“Para aquelas pessoas que não são de terreiro, o espetáculo abre a possibilidade de entender a importância de olhar para esse lugar e reconhecer Manaus como um território também praticante de afroespiritualidade e afro-religiosidade”, explica.

Valorização e Inclusão

“É preciso dizer que existe uma produção negra consistente em Manaus, com artistas inventivos, técnicos e produtores comprometidos com o fazer cultural, mesmo com tantas adversidades”, ressalta Correnteza, que buscou valorizar profissionais negros da cadeia produtiva da economia criativa, que enfrentam baixa demanda de trabalho.

“Essa parte da população é preterida pelo mercado — inclusive o artístico — e muitas vezes não tem oportunidade de produzir seus próprios trabalhos”, explica.

Por isso, a montagem de Mojubá reúne uma equipe majoritariamente negra e especializada em diversas áreas: Correnteza Braba (coordenação geral, interpretação e pesquisa), Wellington Douglas (assistência de direção), Kanzelu Muká (preparação corporal), o artista manauara de projeção nacional, Francisco Ricardo (direção de arte) e Paulo Martins, sócio da Café Preto Produções junto com a atriz, e que assina a iluminação do projeto.

A direção musical ficou por conta de Marcelo Rosa e Mady, a produção com Randy Souza (assistência de produção), Alex Souza (fotografia), Bianca Beatriz (coordenação de comunicação), Jaú Ribeiro Vieira (design), Ana Paula (assessoria contábil) e Vívian Oliveira (assessoria de comunicação).

Dessa forma, a obra reafirma a relevância de dar visibilidade a saberes ancestrais, especialmente no cenário contemporâneo, onde as lutas por igualdade e respeito ainda se fazem urgentes.

“No momento em que a gente entende a importância da luta antirracista no Brasil, dar palco para que as afroespiritualidades estejam em cena é fundamental”, ressaltou.

O projeto foi contemplado pelo edital N° 04/2023 – Povo negro, povos tradicionais, de terreiro e/ou comunidades quilombolas, através da Lei Paulo Gustavo da SEC-AM.

“O apoio da SEC-AM possibilitou que a gente entrasse em contato com artistas de outras regiões do país que são referência na criação em artes cênicas negras, criando pontes, permitindo que o nosso trabalho chegasse a outros lugares e, ao mesmo tempo, que esses artistas conhecessem o que produzimos aqui, abrindo portas para novas e múltiplas possibilidades”, conclui Correnteza Braba.

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