Pesquisa sobre transferências de pacientes com Covid-19 revela necessidade de vencer desafios geográficos na Amazônia

Paciente com Covid-19 chega ao hospital de campanha em Manaus. Foto: Michell Mello/Especial para Fiocruz Amazônia

Estudo coordenado pela Fiocruz Amazônia, que analisou a disponibilidade de equipamentos e recursos humanos e os deslocamento nos casos de internações por Covid-19 em municípios remotos do Amazonas, no auge da pandemia, é tema de um dos artigos de destaque da edição de 2025 da Hygeia – Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, pertencente ao Programa de Pós-Graduação Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Uberlância (UFU).

A pesquisa, intitulada “Deslocamento dos casos graves e recursos de saúde disponíveis em municípios rurais remotos do Amazonas durante a pandemia de Covid-19”, permitiu um mapeamento geográfico das condições de atendimento a vítimas de síndromes respiratórias graves no Estado, num período em que o mundo vivenciava as trágicas consequências da pandemia, tendo como recorte localidades remotas da Amazônia. A pesquisa apontou que 384 pacientes internados por Covid-19 foram transferidos para outros municípios, com 65% destes tendo como destino a capital Manaus, mesmo oriundos de outras regiões de saúde.

De acordo com a pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz Amazônia, Amandia Braga Lima Sousa, além de relembrar a realidade que vivemos no auge da epidemia de Covid-19, o trabalho reforça a importância do fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como princípio a universalidade e a integralidade como resposta a esses desafios. “Ao demonstrar a concentração de pacientes em Manaus e a falta de infraestrutura nos municípios de referência para as regiões de saúde, a pesquisa reforça a necessidade de descentralizar o atendimento e criar inovações na forma de ofertar serviços na Amazônia”, afirma a pesquisadora.

Segundo Amandia, os achados podem subsidiar gestores e formuladores de políticas na criação de estratégias mais eficazes, como o fortalecimento da atenção primária, que é o nível de cuidado essencial para a realidade de municípios rurais e remotos. “Esse estudo faz uma retrospectiva dos deslocamentos que aconteceram em emergências por Covid-19 nos municípios rurais e remotos do Amazonas e aponta para a necessidade de implantarmos redes de serviços que consigam responder para as realidades desses municípios, muitas vezes, ainda invisíveis em todas as esferas de poder”, assegura.

A pesquisa mostra que, mesmo depois de alguns meses, vivenciando uma grave epidemia, as condições de assistência continuavam iguais. “Constatamos que medidas previstas no planejamento de saúde não tinham sido colocadas em prática e algumas delas necessitam até mesmo ser repensadas e que não são as mais adequadas diante das singularidades de municípios amazônicos”, explica Amandia, que é chefe substituta do Laboratório de Situação da Saúde e Gestão do Cuidado de Populações Indígenas e outros Grupos Vulneráveis (Sagespi) da Fiocruz Amazônia.

Para ela, a ampliação do uso da telemedicina e a estruturação de rotas de transferência mais eficientes para os casos de emergência são medidas eficazes e de adoção urgente.

A pesquisadora observa ainda que garantir assistência à saúde em áreas rurais e remotas é um desafio para países com extensões territoriais vastas e populações dispersas. “Este estudo evidencia como a realidade dos municípios da Amazônia exige estratégias específicas, distintas das adotadas em outras regiões do Brasil. Os resultados mostram vulnerabilidades críticas no atendimento a emergências durante a pandemia de Covid-19 em 2021, incluindo a distribuição desigual de médicos, a falta de equipamentos e a concentração de transferências de pacientes para um único município que já estava sobrecarregado no auge da pandemia. Ao diagnosticar esses desafios, a pesquisa quer ajudar os gestores a encontrarem caminhos para a prestação de cuidados de saúde mais adequados a realidades desses municípios e possibilitar que possamos vivenciar de forma mais preparada futuras crises sanitárias”, alerta.

O estudo, exploratório e retrospectivo, envolveu a investigação na literatura e dados secundários sobre a estrutura de atendimento para Covid-19, internações por casos graves e transferências para outros municípios durante 2021. No resumo, os pesquisadores explicam que os dados foram espacializados em mapas e foi realizada a identificação da estrutura e recursos humanos dos municípios rurais e remotos para o enfrentamento da Covid-19. “Os achados revelam limitações na equidade da distribuição dos recursos de saúde no Amazonas e nas estratégias adotadas, apontando para a necessidade de melhorias nas respostas dos serviços de saúde em emergências”, conclui.

Além de Amandia Braga, o artigo é assinado pelos pesquisadores em Saúde Pública da Fiocruz Amazônia, Rodrigo Tobias Sousa Lima, do Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia, e Fernanda Rodrigues Fonseca, do Laboratório de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia (Legepi); Paulo Henrique dos Santos Morta, professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP); Larissa Cristina Cardoso dos Anjos, doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Mayra Costa Rosa Farias de Lima, mestre em Saúde Coletiva pelo Programa de Pós-Graduação em Condições de Vida e Situações de Saúde na Amazônia (PPGVIDA) da Fiocruz Amazônia, e Luiz Silvino Correia, mestrando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Sobre a revista

A Hygeia é uma publicação classificada como Revista Qualis A1 na área de Saúde Coletiva da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Destina-se à divulgação da produção acadêmica e científica e tem como foco os temas da Geografia médica e da saúde, em interdisciplinaridade, tanto com as áreas da epidemiologia como da Saúde coletiva.

É uma revista eletrônica do Programa de Pós-graduação Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O formato eletrônico permite o seu acesso rápido e oportunidades de debate acadêmico para pesquisadores, professores e alunos universitários com interesse no tema. A revista é multilíngue e publica trabalhos em português, espanhol e inglês.

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