
Carnaval: conheça parintinenses vencedores, como a equipe da Viradouro, do RJ, que saiu de alma lavada.
Por Peta Cid e Josene Araújo
Viradouro, campeão do Rio de Janeiro, Águia de Ouro, campeã de São Paulo, e Aparecida, campeã amazonense, tiveram nos quadros artistas parintinenses. Os magos do boi bumbá saíram definitivamente do anonimato, para conquistar as principais escolas de samba do País. Parintins exporta a criatividade do Festival Folclórico para o carnaval de vários Estados e, em 2020, a consagração veio mais uma vez com os títulos e vários prêmios. O talento dos caboclos artesãos está em alta.
Fenômeno curioso, a imigração de artistas de Parintins, para comandar movimentos, articulações, esculturas e pinturas dos carros alegóricos, vem se consolidando ano a ano.
Pioneiros
Os títulos deste carnaval revelam a evolução dos últimos 25 anos. Os quadros magníficos do boi-bumbá amazônico inspiraram o carnavalesco Joãozinho Trinta. Ele conheceu Parintins em 1994, se encantou com as técnicas e levou para o Rio quatro artistas locais, Jair Mendes, Juarez Lima, Amarildo Teixeira e karu Carvalho. Desde então, o carnaval se rende ao espetáculo teatral da floresta, cuidadosamente arquitetado para dar vida aos módulos de alegorias.
Águia de Ouro
Em São Paulo, foram os quesitos alegorias e bateria que decidiram o título para a Escola de Samba Águia de Ouro. E foi justamente aí que entrou a participação da valorosa equipe de parintinenses comandada por Marlucio Pereira, filho de Marlucio Amaral, o Piririma. Ele trabalhou anos em oficina mecânica no bairro da Francesa. “A vitória é gratificante. Estamos felizes. As alegorias foram peças fundamentais para a conquista do título, junto com a bateria da escola. Foi o primeiro título da Águia, em 43 anos. A escola foi rebaixada duas vezes e veio do Grupo de Acesso”, revela.
Cada artista contratado tem uma função. Marlúcio trabalhou nas ferragens, estrutura metálica de cinco carros e comissão de frente. Wesley Souza fez a escultura e pintura, juntamente com o artista Zacarias Pai da Mata. O artista Renilson Tavares, o Rell, bateu as placas para adereços e fantasias e também comemorou. “Foi justamente no quesito alegoria, o penúltimo divulgado, que a Águia assumiu a dianteira da disputa. Foram três notas dez em alegoria. Ultrapassamos a Acadêmicos do Tatuapé, que estava no primeiro lugar na disputa”, conta.
Marlucio destacou ainda o empenho da equipe de artistas como Andrey Lima, Kenice Mendonça, Victor Macedo, Diego Oliveira, Cirene Penha, do revestimento e adereços, e Evelin Rocha. Lembrou também de Rai Silva, Bitoca, um dos diretores, que abriu as portas para a equipe de parintinenses, que está há dois anos na escola.
“Ralamos bastante, Foi a vitória do nosso esforço, que veio para alavancar nossa equipe, trazendo melhorias para nós”, sustentou Marlucio. O grupo ainda está em êxtase comemorando a vitória do enredo “O Poder do Saber – Se saber é poder… quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Para eles, quem trabalha com sabedoria faz a diferença. É como diz o artista do Caprichoso Sabazinho Cardoso, que atua em outro setor da escola, com esculturas em espuma. Ele agradeceu o presidente da Águia de Ouro, Sidnei Carrioullo. “Agradeço a oportunidade demostrar o meu trabalho e ter ajudado a escola a conquistar esse título inédito”, ressaltou.
Na Viradouros e de alma lavada

Sempre bem-humorados, os parintinenses da Viradouro até aceitaram tomar um banho, para mostrar a “alma lavada”, na foto especial para o portal
No Rio de Janeiro, os parintinenses campeões estão de alma lavada. Eles contribuíram para a vitória da Unidos da Viradouro, escola que comemorou o segundo título do Grupo Especial, depois de um jejum de 23 anos. A última vez que ganhou foi em 1997, com Joãosinho Trinta. A escola venceu com o enredo “Viradouro de Alma Lavada”, sobre as Ganhadeiras de Itapuã, quinta geração de lavadoras de roupa na Lagoa do Abaeté, que descreve a tradição e a resistência das mulheres negras por meio de um grupo musical que canta o sustento das famílias, a luta por igualdade e representatividade.
A Viradouro foi uma das primeiras a embarcar na troca de experiências com os parintinenses, que hoje são “a bola da vez”. Reuniu pintores, escultores, soldadores e projetistas, com responsabilidade de construir e idealizar carros alegóricos.
Nildo Costa, o Naruna, comandou a equipe com Erisson Guerreiro e Carlos Viana. “Estamos na escola há quatro anos. Fomos vice-campeões no ano passado e agora veio o título”, disse. A equipe foi responsável pela criação de sete carros alegóricos e dois tripés. “O título tira o artista do anonimato. Estou no Caprichoso desde 93, quando comecei com o Juarez Lima, e aos poucos fomos adquirindo experiência até chegar aqui, no carnaval, e sermos reconhecidos”, enfatizou Nildo.
O carnavalesco da Viradouro, Tarcísio Zanon, reconhece a contribuição dos parintinenses na evolução do carnaval pelo Brasil. “Cada vez mais ganha força. A arte de Parintins chegou apenas com movimento e hoje temos grandes escultores, pintores de arte. Essa integração cultural entre Parintins, Rio, São Paulo e pelo Brasil é muito importante para o espetáculo. A tecnologia e o pensamento do parintinense têm acrescentado cada vez mais”, destacou.
A evolução técnica, a estética, as pinturas das alegorias dos bois ganharam tal magnitude que chamaram atenção de carnavalescos do Sudeste, pelo seu caráter espetacular.
Caravanas de carnavalescos se formam a cada Festival Folclórico, para observar e importar a engenharia cabocla que dá um novo incremento ao desfile das escolas de samba. Tarcísio Zanon já confirmou que estará em Parintins no mês de junho.
Aparecida
Outro parintinense vencedor foi Natalício Vasconcelos, que conquistou o título com a Escola de Samba Aparecida. No currículo, passagem por várias escolas de Manaus entre elas Balaklu Blaku e Alvorada. Ganhou mais de quatro vezes o Estandarte de Ouro.
Vencedores de outros prêmios
O artista parintinense contabiliza uma trajetória de conquistas que pode não valer só o título de campeão, mas a experiência, o trabalho, a riqueza de conhecimentos adquiridos numa jornada de vitórias profissionais. É o caso de Everdon Simas, conhecido como “Caprichoso”, que mora no Rio de Janeiro há mais de 12 anos. Ele ganhou o Estandarte de Ouro do Jornal O Globo, no item Inovação, pela criação da “Águia da Portela”, o símbolo mais esperado da azul e branco.
“Pediram uma águia diferenciada. Fui convidado pelo Renato Lage para criar e com a equipe inovamos, formatando uma águia com asas em movimento, usando motores e robótica”, conta o artista. Ele tem na equipe nomes como Leonardo Cantanhede, o Leozinho. Simas também comandou alegorias na Grande Rio.
É da habilidade cabocla que sai cada detalhe da magnífica combinação de peças que incorporam tendências, agregando valores com um diferencial inovador. Os artistas da terra estão a cada ano mais ousados, tanto que o prêmio de melhor artesão e escultor no Rio de Janeiro ficou com outro parintinense, Alex Salvador, que ganhou pela segunda vez o troféu Plumas e Paetês.
Na escola Vila Isabel a equipe de Alex assegurou quatro notas dez no quesito alegoria. “No nosso quesito ganhamos, mas existem outros segmentos da escola que não competem a nós”, lembrou. E acrescenta que o resultado positivo é sempre uma porta aberta. “Ser reconhecido como escultor engrandece o nome de desconhecidos. Eleva mais o nosso nome e de Parintins, como referência em movimentos, escultura, pintura. Antes diziam que a gente só sabia fazer escultura de índios e nós provamos que sabemos fazer muito mais que isso”, enaltece.
Para ele, a parte negativa é a financeira. “Às vezes a gente sai da escola sem receber, mas valorizado com premiações e a sensação de dever cumprido. São sete meses longe da família. Ficamos esgotados”, desabafa.
Alex só lamenta que a maioria dos artistas ainda seja vista como peões em Parintins. “Não somos valorizados. Demorei muito pra chegar a ser artista de ponta, por ser novo, não ser tão conhecido”, finaliza.
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